segunda-feira, 7 de abril de 2008

Meia vitória

Texto (editorial) publicado pela Folha de São paulo - 06/04/08

Disputa entre EUA e Rússia pode deslanchar nova guerra fria, travada com dinheiro, recursos naturais e propaganda
O SALDO da reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), encerrada sexta em Bucareste, foi de meia vitória para o presidente George W. Bush na disputa estratégica com Vladimir Putin.Os EUA obtiveram apoio para instalar seu escudo antimísseis em países do Leste Europeu. O americano, contudo, não conseguiu estabelecer, como desejava, um cronograma para a adesão de Ucrânia e Geórgia, vizinhos da Rússia que integravam a União Soviética, à aliança militar.A Rússia, que não faz parte da entidade, vem jogando pesadamente para que as duas repúblicas não obtenham o passe de entrada na Otan. Vladimir Putin ameaçou até cancelar sua visita à cúpula na capital da Romênia caso a posição americana houvesse prevalecido.França e Alemanha, decisivos para a derrota de Bush nesse tema, argumentaram que Ucrânia e Geórgia atravessam fase de grande instabilidade, o que não recomendaria sua entrada imediata na Otan e resultaria em desnecessária afronta a Moscou.Foi o unilateralismo de Bush que originou os graves problemas operacionais que a aliança enfrenta no Afeganistão, onde 47 mil militares de 26 membros da entidade há sete anos tentam sem sucesso eliminar a atuação do Taleban e da Al Qaeda.Bush recusou a ajuda dos aliados no início da operação afegã e só recorreu a ela quando resolveu concentrar os esforços bélicos dos EUA no Iraque. Não surpreende que só a muito custo tenha convencido aliados da Otan a enviar reforços considerados essenciais para evitar o fortalecimento do terror afegão .A questão mais séria para o futuro da Otan, entretanto, é a possibilidade de ressurgimento da guerra fria com a Rússia. A "Nova Guerra Fria", título de recente livro do jornalista Edward Lucas, dispensaria as armas convencionais e seria lutada com dinheiro, diplomacia, propaganda e, cada vez mais, recursos naturais.Putin já tem criado inúmeros problemas com base nas grandes jazidas de petróleo e gás da Rússia, das quais dependem muitos países europeus -daí a quase reverência com que governos como o alemão e o francês tratam o Kremlin. Além disso, o presidente russo não demonstra escrúpulos em dar suporte a movimentos separatistas na Geórgia e em Moldova, manter atitude de clara beligerância contra a Estônia e oferecer armas ao Irã.Putin e Bush são líderes que, até os seus últimos dias na Presidência -o cesarismo do russo vai continuar por outros meios-, insistem em colocar em risco a paz internacional.

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