terça-feira, 15 de abril de 2008

A imbecilização de um povo

Por Sérgio Dávila

Texto publicado na Revista da Folha - 06/04/08

Eu ia escrever sobre outro assunto -a ilustração desta coluna já estava inclusive pronta-, mas mudei de idéia ao abrir o "Washington Post" na manhã da última quinta-feira. No pé da primeira página, eles quantificavam uma tendência que eu já tinha ouvido aqui e ali e lido inclusive no blog de uma amiga. Os Estados Unidos estão mandando crianças para a polícia por assédio sexual.
Vou repetir: os Estados Unidos estão mandando crianças para a polícia por assédio sexual.
Em novembro do ano passado, na hora do recreio, Randy Castro, 6, deu um tapinha na bunda de sua coleguinha. Na volta à classe, a menina contou à professora. Essa levou o caso à diretoria. Que chamou a polícia. "Achei que eles fossem me levar para a prisão", disse Randy, hoje aos 7 anos, que teve a divulgação do nome autorizada pela família. "Fiquei apavorado."
O registro de que ele "assediou sexualmente" uma colega vai ficar para sempre em sua ficha escolar. O caso aconteceu numa escola de um subúrbio da Virgínia, Estado que é vizinho aqui de Washington. Serviu para que fosse feito um levantamento de casos semelhantes não só na Virgínia como em Maryland, o outro Estado vizinho da capital federal norte-americana -de maneira geral, as cidades mais próximas de Washington servem de dormitório para o pessoal que trabalha aqui.
Está sentado? Ou sentada? Só na Virgínia e só no ano passado, 255 estudantes do equivalente ao que na minha época era chamado de jardim- de-infância, pré-primário e primeiro grau foram acusados de assédio sexual -"contato físico impróprio com um estudante", em "policialês". Em Maryland, foram 166, incluindo 16 alunos do jardim-de-infância, segundo o Departamento Estadual de Educação.
O diário norte-americano lembra de casos recentes e que ficaram famosos, como o do pequeno texano de quatro anos que, em 2006, foi acusado de assédio sexual... por sua professora! Como se deu o crime? A criança pressionou sua cabeça nos seios da mestra ao abraçá-la -imagino que tenha algo a ver com a diferença de altura, a não ser que o taradinho seja gigante, ou a professora, verticalmente prejudicada.
Brincadeiras à parte, o fato mostra que a chamada "correção política", ou o "politicamente correto", não só foi longe demais por aqui como está beirando a histeria, em ações que lembram o julgamento das bruxas de Salém, de 1693 -no caso, dos bruxinhos de Washington, de Virgínia, de Maryland e do Texas.
A diferença é que, em vez de puritanismo, o que move as roldanas aqui é o dinheiro -ou o medo das escolas de serem processadas por pais chocados com as filhas "assediadas".
Seja qual for o motor, há uma imbecilização geral da "América" e algumas pessoas começam a perceber. Um dos primeiros foi o subestimado filme "Idiocracy", de 2006, já comentado neste espaço, em que o mesmo Mike Judge de "South Park" imagina um país no futuro em que os idiotas venceram e um simplório transportado dos tempos atuais é tratado como Einstein.
Outra é Susan Jacoby, autora do recém-lançado "The Age of American Unreason" ("A Era da Irracionalidade Americana", Pantheon, 2008), em que ela defende que a burrificação do país é menos um produto de "Washington", no sentido de que haveria um grande complô político para que a população caminhasse em direção às trevas, e mais um fenômeno coletivo auto-alimentado e consentido.
Claro -e isso quem diz é a própria Susan- que ajuda o atual ocupante da Casa Branca ser quem é.

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