quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Integração do bom senso

Por: Ciro Gomes
Publicado na Folha de São paulo em 20/09/05.

No Nordeste setentrional, a disponibilidade de água é menos da metade do que a Organização das Nações Unidas estabelece como mínima para a sustentabilidade da vida humana. Segundo a ONU, a vida é minimamente sustentável quando a disponibilidade hídrica é de 1.500 m3 por habitante/ano. Por causa disso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sensatamente, decidiu viabilizar a execução de um projeto que há décadas tem sido só uma promessa -o Projeto São Francisco.
Para tanto, reviu propostas de governos anteriores, que previam a captação de até 300 m3/s, uma insensatez, e incluiu na nova concepção a revitalização do rio, hoje na centralidade do planejamento do governo e no seu PPA. O Projeto São Francisco não é de transposição, mas de integração de sua bacia com as bacias dos rios intermitentes do Nordeste setentrional. Seu claro objetivo é oferecer segurança hídrica a 12 milhões de pessoas que vivem nas pequenas, médias e grandes cidades dos Estados de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará.Do ponto de vista da engenharia, o empreendimento é de fácil execução -dois canais a céu aberto revestidos de concreto, alguns túneis, algumas lagoas de retenção, algumas tomadas de água e estações elevatórias. Quando estiver em operação, captará, à jusante da barragem de Sobradinho, 26 m3/s, ou seja, 1,4% da vazão mínima que chega ao mar. Quando, e somente quando, Sobradinho estiver vertendo, o volume captado será ampliado para até 127 m3/ s. Nesses vertimentos, a vazão do rio chega a picos de até 15 mil m3/s, como aconteceu em 2004 -todo esse excedente vai adoçar o oceano. A água captada será transferida para açudes estratégicos, dos quais, por uma rede de adutoras já construídas ou em construção pelos Estados receptores, chegará às cidades.Em maio do ano passado, o presidente Lula baixou decreto considerando de utilidade pública, para efeito de desapropriação por interesse social, 2,5 km de terras nas duas margens dos eixos norte e leste do projeto. Isso quer dizer que, desde a data da publicação do decreto, estão proibidas a venda e a compra dessas terras, que serão utilizadas para projetos de assentamento do Programa de Reforma Agrária e para a agricultura familiar. Os menos favorecidos serão os mais beneficiados.Outra inovação do Projeto São Francisco é sua sinergia hídrica. No Nordeste, grande parte da água dos açudes se perde ou pela evaporação, nos anos secos, ou pelo vertimento, nos anos chuvosos. Essa perda deixará de existir, e a água dos açudes será aproveitada permanentemente em diferentes usos. Os reservatórios não precisarão mais permanecer cheios na expectativa de que o próximo ano será de seca. Quando eles forem recarregados pela água das chuvas, as bombas do projeto serão desligadas, sendo religadas nos anos secos.Para impedir conflito de interesses, para assegurar o fiel cumprimento dos limites da outorga de uso da água e para garantir a plena eficiência do seu sistema de geração de energia elétrica, será, por decisão do presidente Lula, uma subsidiária da própria Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a ser criada com essa exclusiva finalidade, a responsável pela operação do projeto São Francisco.A revitalização do São Francisco, consenso oco até o início deste governo, começou, e seu foco é o saneamento básico e a recomposição das matas ciliares. Estão em execução ou em fase de contratação projetos de tratamento de esgotos beneficiando mais de duas dezenas de cidades que hoje os despejam, "in natura", na calha do rio. Os primeiros canteiros de mudas para a reposição de matas ciliares estão produzindo.O que o São Francisco doará para o semi-árido setentrional é apenas 1,4% da vazão mínima que ele hoje joga no mar. É quase nada, se comparado aos mais de 60% que o rio Piracicaba manda para o abastecimento da cidade de São Paulo; aos cerca de 60% que o rio Paraíba do Sul desvia para o abastecimento do Rio de Janeiro; aos 50% que o rio Tajo doa à Espanha antes de entrar, com o nome de Tejo, em Portugal, onde deságua no oceano Atlântico.O Projeto São Francisco é um empreendimento economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Para blindá-lo contra a mínima suspeição, solicitei, por determinação do presidente Lula, ao Tribunal de Contas da União a análise e o acompanhamento técnico, especializado, de todo o seu processo licitatório. As recomendações do TCU foram acolhidas e incluídas no edital.O projeto foi aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, licenciado pelo Ibama e dispõe de outorga da ANA. Sua concepção atual, fruto também da parte bem intencionada das críticas que recebeu, mudará a vida de 12 milhões de nordestinos, como regra pobres, sem prejudicar um único brasileiro. É também a experiência de integração mais segura entre todas as observadas no mundo por duas razões: o ínfimo volume captado (apenas 1,4%) e o ponto de captação, situado num trecho onde o rio é totalmente regularizado, entre as barragens da Chesf.


Ciro Gomes, 47, advogado, filiado ao PSB, é ministro da Integração Nacional. Foi prefeito de Fortaleza (1988-90), governador do Ceará (1991-94) e ministro da Fazenda (governo Itamar).

Vida para todos: por isso fiz a greve de fome

Por: D. Luiz Flávio Cappio
Publicado na Folha de São paulo em 10/10/05.


Foi em favor da vida que fiquei 11 dias em jejum e oração na tão querida capelinha de São Sebastião, em Cabrobó (PE). Motivou-me o compromisso, baseado no Evangelho, que tenho com os pobres, os do rio São Francisco em primeiro lugar, porque me são mais próximos, há mais de 30 anos, por opção de franciscano, sacerdote e bispo desde 1997. Compromisso com a vida do próprio rio São Francisco, tão degradado."Rio vivo, povo vivo. Rio morto, povo morto", gritamos milhares de vezes na peregrinação da nascente à foz do São Francisco, entre outubro de 1993 e outubro de 1994. Vida ameaçada pelo atual projeto de transposição. Mas meu compromisso é também com a vida de toda a população do semi-árido, principalmente a dos mais pobres, enganados com tal projeto.Era essa minha intenção, bastante clara na declaração "que todos tenham vida", que fiz depois de longo debate, no acordo que me levou a suspender o jejum e que celebrei com o ministro Jaques Wagner, em nome e com o assentimento do presidente Lula: "permitir uma ampla discussão, participativa, verdadeira e transparente para que se chegue a um plano de desenvolvimento sustentável, baseado na convivência com todo o semi-árido, para o bem de sua população, priorizando os mais pobres. (...) que, através desse amplo debate, cheguemos a soluções que promovam a união e a concórdia para o povo brasileiro, especialmente para os irmãos e irmãs do semi-árido".Portanto não basta dizer "não" à transposição. Não basta só a revitalização do rio. É preciso um plano de desenvolvimento verdadeiramente sustentável, que beneficie toda a população do semi-árido, tanto os que estão próximos do rio como os que estão longe dele. Um bom plano exige que se pense o semi-árido em toda sua extensão, do norte de Minas ao Ceará, do agreste pernambucano ao Maranhão, com toda sua diversidade geográfica, social e ambiental. São aproximadamente um milhão de km2 e 30 milhões de pessoas.Os mais pobres estão nas cidades, mas formam quase toda população rural, espalhada por todo o território. São os que quase não têm terra, bebem águas podres de barreiros e de açudes, não têm a mínima infra-estrutura para enfrentar o clima do semi-árido e estariam fora do projeto de transposição. Pobres que estão não muito distantes do próprio rio São Francisco. Estes devem ser prioritários para o investimento público no semi-árido. Portanto é não só uma questão técnica mas ética.A transposição se colocou como um "fantasma" que não permite uma visão ampla do semi-árido, pois absorve mentes, energias e recursos, como se abrangesse o todo e fosse a salvação para todos. Ela abrangeria apenas 5% do semi-árido brasileiro e beneficiaria 0,23% da população do Nordeste, segundo críticos.Será, na verdade, mais problema para a população do campo e da cidade, uma vez que elevará o custo da água disponível e estabelecerá o mercado da água. Não vai redimir o Nordeste, como apregoam seus promotores. Tenta-se justificar, equivocadamente, um Nordeste setentrional separado do todo.Pensando o semi-árido como um todo, poderemos conferir exatamente qual poderia ser ou não a utilidade e a necessidade de uma obra de tamanho gasto público, para um país endividado como o nosso, e de tanto risco social e ambiental.É preciso pensar também o rio. Cortado por barragens, desmatado por carvoarias, poluído por esgotos e agrotóxicos, assoreado em toda a sua extensão, o São Francisco pede alento, um pouco de paz e um pouco de sossego para recuperar a vitalidade. Pede investimento. E suspensão dos projetos degradantes. Não há verdadeira revitalização se continuar a degradação dos solos, da vegetação e das águas da bacia, como nos cerrados do oeste baiano.É preciso respeitar também sua população, que suporta o ônus de todos os projetos impostos à grande bacia. Aqui também mora gente que merece consideração e respeito.Busquemos um plano que una novamente a nação nordestina. A transposição nos divide. A revitalização do São Francisco e do semi-árido nos une.Quando iniciei o jejum, declarei que, "quando a razão se extingue, a loucura é o caminho". Fico feliz que meu gesto, suas razões e sua "loucura" tenham sido compreendidos e apoiados por tanta gente. Agradeço sinceramente. Tenho rezado por todos. Não me canso de louvar a Deus por tanta graça recebida."Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (João, 10, 10).Fiz dessas palavras centrais do Evangelho meu lema de bispo. Só quis ser fiel a ela, com a radicalidade que a questão exigia. E voltarei ao jejum e a oração, com mais determinação ainda, se o acordo firmado, em confiança, com o governo não for cumprido. E sei que não estarei sozinho.


Dom frei Luiz Flávio Cappio, 59, é bispo diocesano da cidade de Barra (BA) e autor do livro "Rio São Francisco, uma caminhada entre vida e morte" (editora Vozes, 1995).

Entendendo a crise americana 2

O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça ‘na caderneta’ aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados.
Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).
O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de ‘emibiêi’, decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.
Uns seis ‘zécutivos’ de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.
Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu).
Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.
Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia desmorona.

Entendendo a crise americana

Sampleado dos comentários do surra.org

Paul comprou um apartamento, no começo dos anos 90, por 300.000 dólares
financiado em 30 anos. Em 2006 o apartamento do Paul passou a valer 1,1 milhão de dólares. Aí, um banco perguntou pro Paul se ele não queria uma grana emprestada, algo como 800.000 dólares, dando seu apartamento como garantia. Ele aceitou o empréstimo, fez uma nova hipoteca e pegou os 800.000 dólares.
Com os 800.000 dólares. Paul, vendo que imóveis não paravam de valorizar,
comprou 3 casas em construção dando como entrada algo como 400.000 dólares. A diferença, 400.000 dólares que Paul recebeu do banco, ele se comprometeu: comprou carro novo (alemão) pra ele, deu um carro (japonês) para cada filho e com o resto do dinheiro comprou tv de plasma de 63 polegadas, 43 notebooks, 1634 cuecas. Tudo financiado, tudo a crédito. A esposa do Paul, sentindo-se rica, sentou o dedo no cartão de crédito.
Em agosto de 2007 começaram a correr boatos que os preços dos imóveis estavam caindo. As casas que o Paul tinha dado entrada e estavam em construção caíram vertiginosamente de preço e não tinham mais liquidez...
O negócio era refinanciar a própria casa, usar o dinheiro para comprar outras casas e revender com lucro. Fácil....parecia fácil. Só que todo mundo teve a mesma idéia ao mesmo tempo. As taxas que o Paul pagava começaram a subir (as taxas eram pós fixadas) e o Paul percebeu que seu investimento em imóveis se transformara num desastre.

Milhões tiveram a mesma idéia do Paul. Tinha casa pra vender como nunca.
Paul foi agüentando as prestações da sua casa refinanciada, mais as das 3 casas que ele comprou, como milhões de compatriotas, para revender, mais as prestações dos carros, as das cuecas, dos notebooks, da tv de plasma e do cartão de crédito.

Aí as casas que o Paul comprou para revender ficaram prontas e ele tinha que pagar uma grande parcela. Só que neste momento Paul achava que já teria revendido as 3 casas mas, ou não havia compradores ou os que havia só pagariam um preço muito menor que o Paul havia pago. Paul se danou. Começou a não pagar aos bancos as hipotecas da casa que ele morava e das 3 casas que ele havia comprado como investimento. Os bancos ficaram sem receber de milhões de especuladores iguais a Paul.

Paul optou pela sobrevivência da família e tentou renegociar com os bancos que não quiseram acordo. Paul entregou aos bancos as 3 casas que comprou como investimento perdendo tudo que tinha investido. Paul quebrou. Ele e sua família pararam de consumir...

Milhões de Pauls deixaram de pagar aos bancos os empréstimos que haviam feito baseado nos preços dos imóveis. Os bancos haviam transformado os empréstimos de milhões de Pauls em títulos negociáveis. Esses títulos passaram a ser negociados com valor de face. Com a inadimplência dos Pauls esses títulos começaram a valer pó.

Bilhões e bilhões em títulos passaram a nada valer e esses títulos estavam disseminados por todo o mercado, principalmente nos bancos americanos, mas também em bancos europeus e asiáticos.

Os imóveis eram as garantias dos empréstimos, mas esses empréstimos foram feitos baseados num preço de mercado desse imóvel... Preço que despencou. Um empréstimo foi feito baseado num imóvel avaliado em 500.000 dólares e de repente passou a valer 300.000 dólares e mesmo pelos 300.000 não havia compradores.

Os preços dos imóveis eram uma bolha, um ciclo que não se sustentava, como os esquemas de pirâmide, especulação pura. A inadimplência dos milhões de Pauls atingiu fortemente os bancos americanos que perderam centenas de bilhões de dólares. A farra do crédito fácil um dia acaba. Acabou.

Com a inadimplência dos milhões de Pauls, os bancos pararam de emprestar por medo de não receber. Os Pauls pararam de consumir porque não tinham crédito. Mesmo quem não devia dinheiro não conseguia crédito nos bancos e quem tinha crédito não queria dinheiro emprestado.

O medo de perder o emprego fez a economia travar. Recessão é sentimento, é medo. Mesmo quem pode, pára de consumir.

O FED começou a trabalhar de forma árdua, reduzindo fortemente as taxas de juros e as taxas de empréstimo interbancários. O FED também começou a injetar bilhões de dólares no mercado, provendo liquidez. O governo Bush lançou um plano de ajuda à economia sob forma de devolução de parte do imposto de renda pago, visando incrementar o consumo porém essas ações levam meses para surtir efeitos práticos. Essas ações foram corretas e, até agora não é possível afirmar que os EUA estão tecnicamente em recessão.
O FED trabalhava. O mercado ficava atento e as famílias esperançosas. Até que na semana passada o impensável aconteceu. O pior pesadelo para uma economia aconteceu: a crise bancária, correntistas correndo para sacar suas economias, boataria geral, pânico. Um dos grandes bancos da América, o Bear Stearns, amanheceu, na segunda feira última, quebrado, insolvente.

No domingo o FED, de forma inédita, fez um empréstimo ao Bear, apoiado pelo JP Morgan Chase, para que o banco não quebrasse. Depois disso o Bear foi vendido para o JP Morgan por 2 dólares por ação. Há um ano elas valiam 160 dólares. Durante esta semana dezenas de boatos voltaram a acontecer sobre quebra de bancos. A bola da vez seria o Lehman Brothers, um bancão. O mercado e as pessoas seguem sem saber o que nos espera na próxima segunda-feira.

O que começou com o Paul hoje afeta o mundo inteiro. A coisa pode estar apenas começando. Só o tempo dirá.

No dia 15 de Setembro/2008, o Lehman Brothers pediu falencia,
desempregando mais de 26 mil pessoas e provocando uma queda de mais de 500 (quinhentos ) pontos no Indice Dow Jones, que mede o valor ponderado das acoes das 30 maiores empresas negociadas na Bolsa de Valores de New York - a maior queda em um unico dia, desde a quebra de 1929 ...
Este dia, certamente, será lembrado para sempre na historia do capitalismo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Entrevista - Renata Falcone

Renata Falcone Capistrano da Silva,23 anos, é assessora Jurídica. Formada na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP.

FdM: Como foi que você escolheu fazer o curso que fez?

R.F.: No colégio, sempre tive maior afinidade com a área de biológicas, porém, no momento de escolher uma carreira, a possibilidade de um futuro profissional estável teve grande peso. Claro que a satisfação pessoal também foi muito importante na escolha, o que me levou ao curso de Direito, cujo leque de possibilidades de atuação após a graduação é imenso. Assim, eu, que sempre me interessei por Biologia, poderia trabalhar com Biodireito ou Direito Ambiental. Além disso, há possibilidade de dedicação à pesquisa, ao magistério, à prática da advocacia, a concursos públicos, entre outras. Enfim, essa área comporta todos os tipos de talentos e afinidades. É muito raro alguém que não encontre uma área de interesse dentro do mundo jurídico.

FdM: Qual foi seu primeiro emprego na área e o que fazia?

R.F.: Minha primeira experiência profissional foi um estágio voluntário no Ministério Público do Estado de São Paulo, na Promotoria de Meio Ambiente. Basicamente, eu auxiliava o Promotor na condução de Inquéritos Civis Públicos, em que se investigava a ocorrência de um dano ambiental e as medidas de reparação desse dano pelos responsáveis. Eu realizava o mesmo trabalho que os estagiários concursados, porém, sem receber dinheiro. Em compensação, o aprendizado foi enorme.

FdM: E daí como chegou onde está hoje?

R.F.: Esse meu primeiro estágio me fez perceber que gostava muito da atuação do Ministério Público na defesa dos direitos difusos da sociedade. Achei muito interessante a existência de uma Instituição responsável por tutelar os direitos que, justamente por pertencerem a todos, indistintamente, muitas vezes, ficam desamparados. Assim, fui em busca de estágios nesse campo e prestei concurso no Ministério Público do Trabalho, onde atuei como estagiária por dois anos. Dentro do MPT passei por algumas áreas e terminei por estagiar no gabinete da Procuradora-Chefe, que me convidou para ocupar um cargo de sua confiança – Assessora Jurídica, após a conclusão da minha graduação, já que este cargo é privativo de bacharéis em Direito. Fiquei como estagiária até dezembro e em janeiro já estava na Assessoria Jurídica.

FdM: Conte como é sua rotina de trabalho (o que faz, que horas acorda, que roupa usa...)

R.F.: Eu trabalho das 8:00h às 17:00h, com controle de ponto, em um edifício tipo escritório e no computador na maior parte do tempo. Meu trabalho é produzir pareceres em processos judiciais e administrativos, além de realizar pesquisas e auxiliar a Procuradora-Chefe em questões jurídicas. O ambiente de trabalho requer o uso de trajes sociais.

FdM: O que você mais gosta no seu trabalho? E o que mais se orgulha?

R.F.: O que mais gosto no meu trabalho é a oportunidade de estar sempre estudando e crescendo intelectualmente. Cada processo é diferente do outro e cada caso tem suas peculiaridades, que demandam conhecimentos específicos. Isso impõe a constante realização de pesquisas e de aprofundamento de conhecimentos, que terminam por ampliar cada vez mais o universo do saber. Além disso, a convivência com pessoas altamente gabaritadas, como os Procuradores e os outros Assessores com quem trabalho, é extremamente estimulante.
Meu maior orgulho é participar de uma Instituição que, como já disse anteriormente, cuida da tutela dos direitos coletivos e difusos, o que reflete em benefícios a toda a sociedade. Sinto que meu trabalho ajuda na construção de um país melhor, com menos desigualdades e maior respeito à dignidade das pessoas.

FdM: O que você menos gosta no seu trabalho?

R.F.: Toda moeda tem seus dois lados. Ao tentar fazer Justiça, que acredito ser o objetivo de todos os operadores do Direito, tem-se que lidar diariamente com injustiças. Por exemplo, faz parte da minha rotina trabalhar com precatórios, que são procedimentos destinados ao pagamento das condenações judiciais do Estado. Ocorre que o Estado (em todas as esferas da Federação) costuma ser um mau pagador e impõe às pessoas a quem deve anos de espera até que possam receber seus direitos. Não são raros precatórios trabalhistas referentes a ações da década de 1980 que ainda não foram pagos, sem nenhuma previsão de que isso ocorra em breve. Isso que dizer que o trabalhador que prestou serviços ao Estado está a quase trinta anos esperando para receber verbas decorrentes de seu contrato de trabalho, cuja natureza é alimentar. Lidar com situações deste tipo, diariamente, é bastante frustrante.

FdM: E na Faculdade, o que mais gostava e o que menos gostava?

R.F.: É difícil dizer o que mais gostava na faculdade, pois adorava tudo. O ambiente acadêmico é muito rico em contatos e experiências que levamos para toda a vida. Os professores são pessoas de vastíssimo conhecimento em suas áreas de atuação, afinal, passar em um concurso para dar aulas na São Francisco não é nada fácil. É certo que alguns se mostravam um pouco desinteressados, mas o contato com eles sempre foi uma experiência enriquecedora. Além disso, os próprios alunos também são pessoas muito capacitadas intelectualmente e com ideologias, pontos de vista e experiências muito diferentes, o que possibilitava os mais diversos debates, sobre todos os assuntos. E, é claro, adorava as festas, os trotes, os penduras, os jogos e as peruadas, que são parte muito importante na formação de um franciscano, condição que, uma vez adquirida, leva-se para toda a vida, no coração.
Acho que o que menos gostava eram as apresentações seminários em que alguns poucos alunos expunham parte da matéria para o resto da turma. Achava essas exposições contraproducentes, já que o nível de atenção despendido pelos ouvintes era quase nulo.

FdM: O que um jovem que queira seguir uma carreira como a sua precisa ter?

R.F.: Acredito que o mais importante seja a curiosidade, a capacidade de interessar-se pelos mais diversos assuntos, já que nunca se sabe qual o tipo de conhecimento que alguma causa vai requerer. É preciso não ter medo de muito estudo e muita leitura. Além disso, também é importante ter a capacidade de colocar-se no lugar do outro, pois, somente assim, é possível defender uma causa com paixão, o que é requisito essencial para a boa prática do Direito.

Lembrete: Se quiser fazer outras perguntas para ela deixe nos comentários de Fome de Mundo. Esse blog é uma base de links e tem seus comentários fechados.

Entrevista - Claudio Teixeira de Queiroz

Claudio Marcos Teixeira de Queiroz, 34 anos, é pesquisador, biomédico formado pela Unifesp com mestrado em Farmacologia e doutorado em Neurociências. Estudando/trabalhando já morou em Barcelona, atualmente reside em Amsterdã e está de mudança para Natal-RN.

FdM:Como foi que você escolheu fazer o curso que fez?

R: Parcialmente por acidente. Na época, pensei em prestar para Medicina (por causa da influência de meu pai, médico), História (por causa de um professor especialista em 2ª. Guerra Mundial) ou Música (por causa de uma banda de Heavy Metal da qual fazia parte). No último momento, minha namorada na época encontrou o curso de Biomedicina da Unifesp, descrito como uma profissão multidisciplinar e com grande enfoque em investigação científica. Preenchi o código do curso na mesa da inscrição da FUVEST sem saber exatamente o que aquela escolha realmente implicava. Felizmente a escolha do curso deu certo, não minha relação com a namorada.

FdM: Qual foi seu primeiro emprego na área e o que fazia?

R: Na carreira de pesquisador, a distinção entre emprego e estudo não é tão simples quanto para outras profissões. Digamos que minha primeira “recompensa financeira” apareceu quando estava no 3º ano da faculdade, quando recebi uma bolsa de Iniciação Científica. Depois da graduação, seguiram-se a bolsa para a realização do mestrado e depois do doutorado. De acordo com a legislação brasileira, bolsista é estudante e não um profissional (na maioria dos países europeus, os pós-graduandos são considerados profissionais, com todos os direitos trabalhistas assegurados). Durante o meu mestrado estudei os efeitos de drogas psicotrópicas no tratamento da esquizofrenia e durante meu doutorado, os mecanismos desencadeadores das epilepsias.

FdM: E daí como chegou onde está hoje?

R: Após terminar meu doutorado, busquei me inserir em alguns dos laboratórios de pesquisa acadêmica no Brasil. Visitei universidades (que são 99% das Instituições que fazem pesquisa no país) em Santa Maria (RS), Belo Horizonte (MG), Natal (RN) e São Paulo, cidade onde realizei os meus estudos. Problemas de origem política, acadêmica, pessoal e financeira acabaram me “empurrando” para o exterior (Amsterdam, Holanda), onde recebi uma proposta para trabalhar como pesquisador e onde estou no momento.

FdM: Conte como é sua rotina de trabalho (o que faz, que horas acorda, que roupa usa...)

R: A vida de pesquisador, no meu ponto de vista, é muito boa. Entretanto, convém ressaltar que muitos pesquisadores talvez tenham uma rotina de trabalho bastante diferente da minha. Ao contrário das outras profissões, meu trabalho me pertence, ou seja, o principal beneficiário de minha “mais valia” sou eu mesmo. Por isso, minha rotina é extremamente flexível. Levanto-me a hora que quero e trabalho o quanto quero. Não existe um código de vestuário e me visto de acordo com o clima. Minha rotina divide-se diferentemente ao longo do ano, consistindo basicamente da realização de experimentos, análise dos resultados e discussão em grupo, redação de manuscritos e apresentações em congressos e conferências. Apesar da grande liberdade de rotina, dificilmente trabalho menos de 10 horas por dia, todos os dias da semana. Por isso, costumo dizer que ser pesquisador não é uma profissão e sim um estado de espírito.

FdM: O que você mais gosta no seu trabalho? E o que mais se orgulha?

R: Fazer experimentos e descobrir coisas são seguramente os momentos mais preciosos do meu trabalho. Participar de congressos e conferências também é ótimo, pois é uma maneira de você conhecer o mundo e interagir com pessoas de diferentes culturas, uma vez que a linguagem da ciência é universal. Perceber que suas descobertas estão contribuindo para o desenvolvimento do conhecimento da humanidade é gratificante e ajuda a lustrar o ego. Entretanto, a idéia de contribuir para a melhoria na qualidade de vida de pessoas que sofrem com neuropatologias (em especial, as epilepsias) me parece um sonho digno de uma vida.

FdM: O que você menos gosta no seu trabalho?

R: O trabalho burocrático que sempre vem acompanhado de processo investigativo.

FdM: E na Faculdade, o que mais gostava e o que menos gostava?

R: O curso de Biomedicina na década de 90 era um curso bastante elitista, no sentido de que éramos poucos em classe (apenas 15) e tínhamos um envolvimento bastante íntimo com todos os professores das diferentes disciplinas. Isso possibilitou uma interação intensa e muito prazerosa entre todos, e muitas vezes tínhamos discussões sobre ciência e natureza, religião e sociedade, vida fora da terra e vida microscópica, tanto na sala de aula como na mesa do bar. Especialmente as aulas práticas de anatomia comparada (que era dada em um laboratório muito antigo cheio de animais empalhados), histologia (onde aprendi sobre o mundo microscópico), ecologia e evolução e biofísica (quando entendi porque o céu é azul) são as mais vívidas na minha memória hoje. Não gostava das avaliações e algumas disciplinas, que apesar de importantes para a minha formação, não me motivavam suficientemente.

FdM: O que um jovem que queira seguir uma carreira como a sua precisa ter?

R: Curiosidade e determinação. Se maravilhar com a natureza é relativamente fácil (quem já foi a Chapada Diamantina, ou assistiu documentários sobre a natureza sabe do que eu estou falando) e por esse motivo é muito fácil “se perder” na ciência. Por isso, acredito ser fundamental saber fazer as perguntas certas para obter respostas que sirvam para alguma coisa, caso contrário o cientista corre o risco de progressivamente se isolar em sua torre de marfim, se distanciando da sociedade e por fim da própria realidade por ele estudada.


Lembrete: Se quiser fazer outras perguntas para ele deixe nos comentários de Fome de Mundo. Esse blog é uma base de links e tem seus comentários fechados.

Entrevista - Victor Ramos

Victor Ramos 32 anos e é chefe de pauta do caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo.
Formado em jornalismo na PUC-SP também fez 3 anos do curso de Direito, também na PUC.


FdM: Como foi que você escolheu fazer o curso que fez?

V.R.: Não houve exatamente uma escolha minha pelo jornalismo. A minha opção sempre foi pela área de humanas. Decidi fazer o curso de Jornalismo depois de ter abandonado o Direito. Achei que seria uma profissão que lida com texto e questões relacionadas à área de humanas, como o Direito, mas sem o formalismo deste. E só tive a certeza de que seguiria na carreira depois de arrumar um emprego “de verdade” na Folha, já aos 27 anos. De qualquer forma, o que causou meu interesse pela área foi o hábito de ler jornais. Por muito tempo, já trabalhando na Folha, me senti muito mais um leitor do jornal do que um “produtor” dele. A verdade é que um bom leitor de jornal tem uma boa chance de ser, também, um bom jornalista.

FdM: Qual foi seu primeiro emprego na área e o que fazia?

V.R.: Meu primeiro emprego em algo próximo do que se possa chamar de jornalismo foi na Santa TV, uma produtora. Lá eu pesquisava e escrevia para um site sobre cultura e futebol que pouco ficou no ar. Mas, como sabemos, cultura e futebol nunca são demais.

FdM: E daí como chegou onde está hoje?

V.R.: Depois de decidir tardiamente cursar Jornalismo, já com vinte e tantos anos, fiz a prova para entrar no programa de trainees da Folha. O programa ensina, durante 3 meses, como é o trabalho em um jornal diário, mais especificamente na Folha. Saí do programa e fui para a Redação, onde passei pelas editorias de Esporte, Agência e Cotidiano como repórter. Depois fui redator por cerca de um ano e meio. E, há pouco tempo, trabalho como chefe de pauta. Trabalho na Folha há quase 5 anos.

FdM: Conte como é sua rotina de trabalho (o que faz, que horas acorda, que roupa usa...)

V.R.: Vou começar a resposta pela roupa. Não há a necessidade de usar terno e gravata sempre. Para quem, como eu, não gosta de usar terno todos os dias, isso faz uma bela diferença. Minha rotina, hoje, é a seguinte: acordo por volta das 6:30 para saber o que aconteceu, via TVs, onlines, e pela Ronda da Folha, o que ocorreu na última madrugada. Por volta das 8 horas chego na Redação, para preparar a pauta do dia. Ou seja, começar a definir quais são as nossas principais apostas do dia, quais são as reportagens que têm maiores chances de ser a capa da edição do dia seguinte e as reportagens que irão para o alto das páginas internas. Durante o dia, tenho reuniões com a chefia do jornal e com a chefia da editoria de Cotidiano, onde as prioridades do dia são discutidas, para que se defina qual a abordagem deverá ser feita sobre cada tema. Os pedidos são encaminhados para os repórteres, com quem mantenho contato permanente para saber sobre o andamento das pautas.

FdM: O que você mais gosta no seu trabalho? E o que mais se orgulha?

V.R.: De colaborar com a produção de uma boa edição. Com matérias importantes para o dia a dia da cidade e que sejam, também, curiosas, boas de serem lidas.

FdM: O que você menos gosta no seu trabalho?

V.R.: É um trabalho que demanda muito tempo e muita energia. É da profissão a necessidade de trabalhar em alguns finais de semana, muitos feriados etc. E a pressão também costuma ser grande. Optar por essa carreira é também optar por isso.

FdM: E na Faculdade, o que mais gostava e o que menos gostava?

V.R.: Gostava principalmente dos cursos que apresentaram textos e livros importantes para o jornalismo. A parte prática eu achei fraca.

FdM: O que um jovem que queira seguir uma carreira como a sua precisa ter?

V.R.: Precisa ter gosto pela leitura. Jornalista tem que saber escrever. E tem que saber ler. Tem que ter gosto pela informação. Tem que saber se informar para poder informar os outros. Precisa ter responsabilidade, pois a publicação de uma informação tem reflexo na vida das pessoas. Precisa ter interesse pelos vários aspectos de um acontecimento. Se você for de esquerda, procure saber o que pensa a direita. E vice-versa. Quanto mais sólida for sua formação, mais consistente será a informação que você fará chegar ao público.



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