sábado, 26 de abril de 2008

Planejamento familiar e renda

Por ANTÔNIO GOIS
Publicado na FSP - 20/04/08

A mais nova pesquisa Datafolha sobre fecundidade mostra que mais de 50 anos depois da invenção da pílula anticoncepcional, quatro em cada dez gestações ocorridas no Brasil não foram planejadas. E, embora isso aconteça com mais freqüência entre os mais jovens (56%) e os mais pobres (44%), não é fenômeno exclusivo deles: entre os que estão no topo da pirâmide social, 34% tiveram filhos sem planejar.Cristiane Cabral, pesquisadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, lembra que esses percentuais seriam ainda maiores se fossem consideradas as gestações que acabaram em aborto, que não foram contabilizadas pela pesquisa."É sempre importante ter acesso à informação, mas o aprendizado sobre o manejo contraceptivo se dá também na prática, a partir da experiência de cada um, na tentativa e erro. Imprevistos acabam acontecendo, em todas as faixas etárias ou de renda", afirma.A demógrafa Suzana Cavenaghi, da Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do IBGE) e secretária-geral da Associação Latino-Americana de População, afirma, no entanto, que não se deve confundir gravidez não-planejada com não-desejada. "É diferente, porque pode-se desejar ter o filho após saber da gravidez", diz Suzana.O Datafolha perguntou também a pais e mães: "Se pudesse voltar no tempo, você teria o mesmo número de filhos, mais, menos ou nenhum?" A maioria dos entrevistados (60%) afirmou que faria escolhas diferentes: 24% teriam menos filhos, 21% teriam mais e 15% não teriam filhos.Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, também da Ence/IBGE, esse percentual de 15% de brasileiros que, se pudessem voltar atrás, não teriam tido filhos foi "a grande novidade revelada pela pesquisa Datafolha", feita em março.Ele considera o número elevado e chama a atenção para um dado da pesquisa: "Mesmo entre a população mais pobre e com curso médio, este número ficou igual ou acima de 15%." O índice é maior entre as mulheres (18%) e entre os mais jovens (31%, na faixa de 16 a 24 anos).Na população de menor renda, o percentual dos que teriam menos ou nenhum filho se pudessem voltar atrás supera o dos que teriam mais. Entre os mais ricos ocorre o inverso: os que disseram que teriam mais superam aqueles que afirmaram que gostariam de ter tido menos ou nenhum.O Datafolha mostra que os brasileiros têm, em média, 2,8 filhos. Na população com renda familiar inferior a dois salários mínimos, essa média chega a 3,1. No outro extremo (renda superior a dez salários), fica em 2,0. Pessoas com quatro filhos ou mais são minoria em todas as classes pesquisadas.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Terremotos no Brasil

Sampleado da uol

Por Ronaldo Decicino*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Tremor na região Norte, em 2007, atingiu 6,1 graus na Escala Richter
Por muito tempo, acreditou-se que o Brasil estivesse a salvo dos terremotos por não estar sobre as bordas das placas tectônicas - o movimento dessas placas estão entre as principais causas dos terremotos.No entanto, sabe-se que os tremores podem ocorrer inclusive nas regiões denominadas "intraplacas", como é o caso brasileiro, situado no interior da Placa Sul-Americana. Nessas regiões, os tremores são mais suaves, menos intensos e dificilmente atingem 4,5 graus de magnitude. Os tremores que ocorrem em nosso país decorrem da existência de falhas (pequenas rachaduras) causadas pelo desgaste da placa tectônica ou são reflexos de terremotos com epicentro em outros países da América Latina. Ou seja, no Brasil os abalos sísmicos têm características diferentes dos terremotos que ocorrem, por exemplo, no Japão e nos Estados Unidos. Nesses locais, existe o encontro de duas ou mais placas tectônicas - e as falhas existentes entre elas são, normalmente, os locais onde acontecem os terremotos mais intensos.Embora a sismicidade ou atividade sísmica brasileira seja menos freqüente e bem menos intensa, não deixa de ser significativa e nem deve ser desprezada, pois em nosso país já ocorreram vários tremores com magnitude acima de 5,0 na Escala Richter, indicando que o risco sísmico não pode ser simplesmente ignorado.
Escala RichterA primeira Escala Richter apontou o grau zero para o menor terremoto passível de medição pelos instrumentos existentes à época. Atualmente, a sofisticação dos equipamentos tornou possível a detecção de tremores ainda menores do que os associados ao grau zero, e tem ocorrido a medição de terremotos de graus negativos.Teoricamente, a Escala Richter não possui limite. De acordo com o Centro de Pesquisas Geológicas dos Estados Unidos, aconteceram três terremotos com magnitude maior do que nove na Escala Richter desde que a medição começou a ser feita. De acordo com outras fontes, como a Enciclopédia Britânica, tal marca nunca foi alcançada.
Regiões brasileiras e abalos sísmicosNo Brasil, os tremores de terra só começaram a ser detectados com precisão a partir de 1968, quando houve a instalação de uma rede mundial de sismologia. Brasília foi escolhida para sediar o arranjo sismográfico da América do Sul. Há, atualmente, 40 estações sismográficas em todo o país, sendo que o aparelho mais potente é o mantido pela Universidade de Brasília.Há relatos de abalos sísmicos no Brasil desde o início do século 20. Segundo informações do "Mapa tectônico do Brasil", criado pela Universidade Federal de Minas Gerais, em nosso país existem 48 falhas, nas quais se concentram as ocorrências de terremotos.Ainda segundo dados levantados a partir da análise de mapas topográficos e geológicos, as regiões que apresentam o maior número de falhas são o Sudeste e o Nordeste, seguidas pelo Norte e Centro-Oeste, e, por último, o Sul. O Nordeste é a região que mais sofre com abalos sísmicos. O segundo ponto de maior índice de abalos sísmicos no Brasil é o Acre. No entanto, mesmo quem mora em outras regiões não deve se sentir imune a esse fenômeno natural.Embora grande parte dos sismos brasileiros seja de pequena magnitude (4,5 graus na Escala Richter), a história tem mostrado que, mesmo em "regiões tranqüilas" podem acontecer grandes terremotos. Apesar de não ser alarmante, o nível de sismicidade brasileira precisa ser considerado em determinados projetos de engenharia, como centrais nucleares, grandes barragens e outras construções de grande porte, principalmente nas construções situadas nas áreas de maior risco.
Alguns tremores de terra registrados no BrasilO maior terremoto que o país já teve ocorreu há mais de 50 anos, na Serra do Tombador, no Mato Grosso: atingiu 6,6 graus na Escala Richter. Mas há outros registros:
Mogi-Guaçu, São Paulo, 1922: 5,1 graus
Tubarão, Santa Catarina, 1939: 5,5 graus
Litoral de Vitória, Espírito Santo, 1955: 6,3 graus
Manaus, Amazonas, 1963: 5,1 graus
Noroeste do Mato Grosso do Sul, 1964: 5,4 graus
Pacajus, Ceará, 1980: 5,2 graus
Codajás, Amazonas, 1983: 5,5 graus
João Câmara, Rio Grande do Norte, 1986: 5,1 graus
João Câmara, Rio Grande do Norte, 1989: 5,0 graus
Plataforma, Rio Grande do Sul, 1990: 5,0 graus
Porto Gaúcho, Mato Grosso, 1998: 5,2 graus
Estado de Pernambuco: entre 2001 e 2005 foram registrados 1,5 mil tremores de terra de baixo impacto
Divisa entre Acre e Amazonas, 2007, 6,1 graus
Itacarambi, Minas Gerais, 09/12/2007: 4,9 graus (é o primeiro tremor da história do Brasil que provocou 1 morte, 5 feridos e varias casas destruídas).

terça-feira, 15 de abril de 2008

A imbecilização de um povo

Por Sérgio Dávila

Texto publicado na Revista da Folha - 06/04/08

Eu ia escrever sobre outro assunto -a ilustração desta coluna já estava inclusive pronta-, mas mudei de idéia ao abrir o "Washington Post" na manhã da última quinta-feira. No pé da primeira página, eles quantificavam uma tendência que eu já tinha ouvido aqui e ali e lido inclusive no blog de uma amiga. Os Estados Unidos estão mandando crianças para a polícia por assédio sexual.
Vou repetir: os Estados Unidos estão mandando crianças para a polícia por assédio sexual.
Em novembro do ano passado, na hora do recreio, Randy Castro, 6, deu um tapinha na bunda de sua coleguinha. Na volta à classe, a menina contou à professora. Essa levou o caso à diretoria. Que chamou a polícia. "Achei que eles fossem me levar para a prisão", disse Randy, hoje aos 7 anos, que teve a divulgação do nome autorizada pela família. "Fiquei apavorado."
O registro de que ele "assediou sexualmente" uma colega vai ficar para sempre em sua ficha escolar. O caso aconteceu numa escola de um subúrbio da Virgínia, Estado que é vizinho aqui de Washington. Serviu para que fosse feito um levantamento de casos semelhantes não só na Virgínia como em Maryland, o outro Estado vizinho da capital federal norte-americana -de maneira geral, as cidades mais próximas de Washington servem de dormitório para o pessoal que trabalha aqui.
Está sentado? Ou sentada? Só na Virgínia e só no ano passado, 255 estudantes do equivalente ao que na minha época era chamado de jardim- de-infância, pré-primário e primeiro grau foram acusados de assédio sexual -"contato físico impróprio com um estudante", em "policialês". Em Maryland, foram 166, incluindo 16 alunos do jardim-de-infância, segundo o Departamento Estadual de Educação.
O diário norte-americano lembra de casos recentes e que ficaram famosos, como o do pequeno texano de quatro anos que, em 2006, foi acusado de assédio sexual... por sua professora! Como se deu o crime? A criança pressionou sua cabeça nos seios da mestra ao abraçá-la -imagino que tenha algo a ver com a diferença de altura, a não ser que o taradinho seja gigante, ou a professora, verticalmente prejudicada.
Brincadeiras à parte, o fato mostra que a chamada "correção política", ou o "politicamente correto", não só foi longe demais por aqui como está beirando a histeria, em ações que lembram o julgamento das bruxas de Salém, de 1693 -no caso, dos bruxinhos de Washington, de Virgínia, de Maryland e do Texas.
A diferença é que, em vez de puritanismo, o que move as roldanas aqui é o dinheiro -ou o medo das escolas de serem processadas por pais chocados com as filhas "assediadas".
Seja qual for o motor, há uma imbecilização geral da "América" e algumas pessoas começam a perceber. Um dos primeiros foi o subestimado filme "Idiocracy", de 2006, já comentado neste espaço, em que o mesmo Mike Judge de "South Park" imagina um país no futuro em que os idiotas venceram e um simplório transportado dos tempos atuais é tratado como Einstein.
Outra é Susan Jacoby, autora do recém-lançado "The Age of American Unreason" ("A Era da Irracionalidade Americana", Pantheon, 2008), em que ela defende que a burrificação do país é menos um produto de "Washington", no sentido de que haveria um grande complô político para que a população caminhasse em direção às trevas, e mais um fenômeno coletivo auto-alimentado e consentido.
Claro -e isso quem diz é a própria Susan- que ajuda o atual ocupante da Casa Branca ser quem é.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Adolescentes emo são espancados no México

Texto publicado na Folha de São Paulo - 06/05/08

Eles têm entre 14 e 20 anos, franja comprida caída no rosto, olhos pintados e usam roupas pretas com detalhes rosa-schoking ou branco. São os "emos", tribo urbana alvo de uma série de ataques que se espalharam pelo México este mês.O termo emo, uma abreviação do inglês "emotional", descreve um gênero de música derivado do hardcore, criado por bandas punks americanas nos anos 80, que abusavam do lirismo em suas composições."Somos muito sensíveis, ouvimos uma música triste e choramos", explica Alejandra Sanchéz, uma emo mexicana de 20 anos.O movimento chegou com quase duas décadas de atraso à América Latina, e na rabeira veio junto o preconceito. Punks e metaleiros fazem uso de discurso homofóbico para criticar o visual emo como suposta cópia das estéticas dark e gótica.Uma onda de violência antiemo ganhou folêgo no México, depois que centenas de pessoas se reuniram para espancar um grupo de adeptos em Querétaro, cidade de 1,5 milhão de habitantes no norte do país, deixando vários feridos. Pelo menos 30 pessoas foram presas.Na semana seguinte, houve novos incidentes em que adolescentes emo foram agredidos por punks e metaleiros na Cidade do México.Em resposta, centenas de emos protestaram contra a violência, na capital mexicana.Há pouco mais de uma semana, autoridades de Tijuana -na fronteira com os EUA- anunciaram reforço do policiamento na cidade, por causa de uma mobilização antiemo planejada para o último fim de semana.O Instituto da Juventude do Distrito Federal (IJDF) iniciou uma campanha na internet para incentivar os jovens mexicanos a divulgarem mensagens de tolerância em sites com grande número de acessos, como YouTube e MySpace.Isso porque é na rede online que os grupos pró e antiemo organizam suas mobilizações e fazem sua propaganda. As recentes manifestações em Querétaro e na Cidade do México estão no YouTube (www.youtube.com/watch?v=oAsNih3jG9g e www.youtube.com/watch?v=5kcYt-AYRXg). Mas a rixa também rende discussões nos mais variados blogs em inglês, espanhol ou português; e até no site de relacionamento Orkut, onde pipocam comunidades como "Movimento Emo", "Antes Emo do que Feio" e "Aliança Contra Emo".
Com agências internacionais.

Meia vitória

Texto (editorial) publicado pela Folha de São paulo - 06/04/08

Disputa entre EUA e Rússia pode deslanchar nova guerra fria, travada com dinheiro, recursos naturais e propaganda
O SALDO da reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), encerrada sexta em Bucareste, foi de meia vitória para o presidente George W. Bush na disputa estratégica com Vladimir Putin.Os EUA obtiveram apoio para instalar seu escudo antimísseis em países do Leste Europeu. O americano, contudo, não conseguiu estabelecer, como desejava, um cronograma para a adesão de Ucrânia e Geórgia, vizinhos da Rússia que integravam a União Soviética, à aliança militar.A Rússia, que não faz parte da entidade, vem jogando pesadamente para que as duas repúblicas não obtenham o passe de entrada na Otan. Vladimir Putin ameaçou até cancelar sua visita à cúpula na capital da Romênia caso a posição americana houvesse prevalecido.França e Alemanha, decisivos para a derrota de Bush nesse tema, argumentaram que Ucrânia e Geórgia atravessam fase de grande instabilidade, o que não recomendaria sua entrada imediata na Otan e resultaria em desnecessária afronta a Moscou.Foi o unilateralismo de Bush que originou os graves problemas operacionais que a aliança enfrenta no Afeganistão, onde 47 mil militares de 26 membros da entidade há sete anos tentam sem sucesso eliminar a atuação do Taleban e da Al Qaeda.Bush recusou a ajuda dos aliados no início da operação afegã e só recorreu a ela quando resolveu concentrar os esforços bélicos dos EUA no Iraque. Não surpreende que só a muito custo tenha convencido aliados da Otan a enviar reforços considerados essenciais para evitar o fortalecimento do terror afegão .A questão mais séria para o futuro da Otan, entretanto, é a possibilidade de ressurgimento da guerra fria com a Rússia. A "Nova Guerra Fria", título de recente livro do jornalista Edward Lucas, dispensaria as armas convencionais e seria lutada com dinheiro, diplomacia, propaganda e, cada vez mais, recursos naturais.Putin já tem criado inúmeros problemas com base nas grandes jazidas de petróleo e gás da Rússia, das quais dependem muitos países europeus -daí a quase reverência com que governos como o alemão e o francês tratam o Kremlin. Além disso, o presidente russo não demonstra escrúpulos em dar suporte a movimentos separatistas na Geórgia e em Moldova, manter atitude de clara beligerância contra a Estônia e oferecer armas ao Irã.Putin e Bush são líderes que, até os seus últimos dias na Presidência -o cesarismo do russo vai continuar por outros meios-, insistem em colocar em risco a paz internacional.

sábado, 5 de abril de 2008

Medo de ataques pára São Paulo

Texto publicado na Folha de São Paulo - 16/05/06

Uma onda de pânico fez parar ontem a maior e mais rica cidade do país e espalhou choque e medo pelo Estado de São Paulo.No quarto dia de terror provocado pela facção criminosa PCC, refluíram os atentados contra bases policiais, assassinatos e rebeliões. Mas ataques a ônibus, fóruns e agências bancárias durante a madrugada foram amplificados ao longo do dia por rumores e trotes e fizeram escolas, lojas e repartições públicas fechar em cascata.O clima de medo perdurou até a noite, quando bares, restaurantes e até supermercados 24 horas deixaram de funcionar.Parte da capital paulista já havia parado desde a madrugada devido à falta de ônibus -17 veículos foram queimados e cerca de 5,5 milhões de pessoas ficaram sem transporte porque empresas, motoristas e cobradores temiam sair às ruas. Foram atacados pelo menos 18 agências e 8 fóruns no Estado na madrugada, e os conflitos deixaram 20 mortos -3 policiais.Com os ônibus nas garagens, o rodízio de veículos foi suspenso. Sem transporte público, 3 em cada 10 alunos faltaram e a ausência de funcionários e professores prejudicou 40% das escolas, mas as aulas matutinas foram mantidas.Foi por volta do meio-dia que o pavor começou a tomar conta dos paulistanos. Enquanto o governo do Estado garantia que a situação estava sob controle, moradores se descontrolavam com notícias de tiros em Higienópolis, boatos de novos atentados e imagens de TV que repetiam cenas de ataques.As próprias escolas passaram a suspender aulas e mandar estudantes para casa. Particulares que permaneceram abertas reforçaram a segurança, mas, no meio da tarde, mães apavoradas iam buscar seus filhos. Dezenas de universidades, dentre as quais algumas das maiores do país, como USP e Unip, interrompiam atividades e avisavam que não abririam à noite.A onda de medo atingiu o comércio depois do almoço, fazendo baixar portas da rua 25 de Março ao shopping Iguatemi. Comerciários que saíam mais cedo despediam-se com um "boa sorte". Antes das 17h, ruas comerciais, cadeias de lojas e shopping centers estavam fechados em várias cidades do Estado.Pela internet, nas empresas, corriam e-mails assustados sobre toque de recolher. No meio da tarde, enquanto o PCC encerrava todas as 55 rebeliões em curso após negociações com o governo, teatros, galerias e centros de convenções anunciaram cancelamento de espetáculos. Fóruns e repartições públicas fecharam mais cedo e o aeroporto de Congonhas teve seu saguão interditado durante duas horas e meia, por uma ameaça de bomba.As ruas da cidade se encheram conforme escolas e empresas se esvaziavam. Motoristas que tentavam voltar para casa provocaram o maior congestionamento do ano: 195 km às 17h30, quatro vezes a média para o horário. A CET disse acreditar que o recorde histórico foi quebrado por volta de 18h, quando uma pane interrompeu as medições.Paulistanos que se encontravam no centro desistiam do transporte público e passavam a fazer trajetos a pé. Estações de metrô, já cheias com o esvaziamento dos terminais de ônibus, ficaram superlotadas de passageiros amedrontados -na madrugada, a estação Artur Alvim (zona leste) havia sido alvejada, sem feridos.O governo de São Paulo atribuiu o pânico a uma onda de boatos. O governador Cláudio Lembo (PFL), que voltou a descartar a ajuda do Exército e da Força de Segurança Nacional no combate ao crime organizado no Estado, recomendou que a população volte à "vida normal" hoje.Segundo a polícia, seria garantida a circulação de 50% dos ônibus -até as 23h30, só quatro empresas confirmaram funcionamento. O rodízio continua suspenso.

Pânico no galinheiro

Texto publicado na Folha de São Paulo -16/05/06

Por Demétrio Magnoli

O PCC deflagrou ontem a guerra da informação. Existiram, aqui e ali, disparos reais, mas sobretudo os bandidos dispararam aleatoriamente chamadas telefônicas ameaçadoras. BUUU! A cidade de São Paulo reagiu como um imenso galinheiro. Rumores correram soltos, desatando reações em cadeia. Sob o influxo do boato, comerciantes baixaram portas de aço, pais assustados correram às escolas para resgatar as crianças e empresas suspenderam o serviço. De um bairro a outro, a cidade apagou-se ao longo da tarde.Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegóvina, não renunciou à vida, nem sob sítio e debaixo das rajadas de franco-atiradores. Os mercados de Bagdá funcionaram em meio aos estrondos das bombas e mísseis dos ataques norte-americanos. Londres não parou durante os bombardeios aéreos alemães, na Segunda Guerra Mundial. Mas São Paulo curvou-se à delinqüência comum. Vergonha!A culpa é dos governantes? Sempre, em primeiro lugar, a culpa é deles. Atônitas, cercadas por numerosas assessorias inúteis, as autoridades estaduais e federais entregaram-se desde domingo ao jogo eleitoral, elaborando declarações maliciosas sobre seus adversários. Mas esses especialistas na baixa política não foram capazes de identificar o sentido da operação do PCC e, na prática, renunciaram a governar.Na hora da primeira série de ataques coordenados, o governo do Estado de São Paulo tinha a obrigação de centralizar as forças policiais em um comando único de emergência. Em vez disso, talvez inspirado nas ações dos comandantes do Exército que, no Rio de Janeiro, firmaram um acordo fétido com o Comando Vermelho, ele preferiu iniciar negociações sigilosas com os chefes da delinqüência.De nada servem um governador e um secretário da Segurança impotentes diante de uma guerra de rumores. Ontem, enquanto os cidadãos se acovardavam, os boletins de notícias desempenhavam involuntariamente o papel destinado a eles no planejamento dos bandidos. Mas não passou pela cabeça vazia das autoridades o recurso elementar de, usando a legislação disponível, colocar a TV e o rádio em rede oficial, por todo o tempo necessário, a fim de desfazer a boataria, chamar as pessoas à razão e impedir o cancelamento da vida normal.A culpa é só dos governantes? Não, mil vezes não! São Paulo conheceu ontem os efeitos psicológicos da indústria do medo. A classe média que não deixa os seus filhos circularem de ônibus e metrô, que se cerca de câmeras e alarmes, que passeia apenas em shopping centers e aspira comprar um automóvel blindado correu na direção de seus bunkers domésticos murmurando tolices sobre a pena de morte. No começo da noite, um manto de silêncio desceu sobre a cidade. Vergonha!